O Dia de Finados é comemorado de maneira distinta na Bolívia em comparação com o Brasil

Diferenças culturais e práticas religiosas marcam a observância deste dia sagrado, refletindo as distintas tradições entre bolivianos e brasileiros

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A festa de Todos os Santos é um dos momentos mais significativos do calendário boliviano, caracterizado por uma celebração única e profundamente enraizada na cultura do país.

Durante esta festa, a memória dos entes queridos é honrada de maneira especial, com a ornamentação de seus túmulos com belas flores, simbolizando a continuidade do vínculo entre os vivos e os que já partiram.

Essa reverência aos falecidos é especialmente marcante nas regiões rurais e isoladas, onde a preparação para o evento começa semanas antes da data. O ritual em si é intrincado, representando mais um exemplo do sincretismo cultural entre as tradições pré-coloniais e as práticas cristãs introduzidas pelos espanhóis.

A festa de Todos os Santos tem lugar em 2 de novembro, mas as comemorações iniciam-se no dia anterior, em 1º de novembro, ao meio-dia, quando as almas dos falecidos retornam aos lares para compartilhar a alegria de uma boa refeição com seus entes queridos.

Na tradição pré-colonial, a morte não era encarada como um rompimento definitivo, mas sim como uma etapa do ciclo da vida. Quando alguém falecia, sua alma (nuna) se juntava ao Urkhu Pacha, o mundo subterrâneo. Nesse mundo invertido, as almas viviam um ciclo de vida em que nasciam idosas para morrerem jovens e retornarem ao mundo dos vivos. Assim, a morte era vista como parte integrante desse ciclo, em contraste com a concepção linear da vida na religião cristã.

Anualmente, as almas retornam para verificar se sua memória permanece viva entre os vivos. No calendário pré-colonial, esse festival tradicional dos mortos coincidia com o final da estação seca (todos os festivais e rituais andinos estavam ligados ao calendário agrícola), e as almas voltavam para se nutrir do que era preparado pelos vivos após um período de escassez.

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Ao chegar, as almas trazem consigo fome e sede. Os vivos preparam suas comidas e bebidas favoritas, demonstrando mais uma vez a importância da reciprocidade na sociedade andina: enquanto os vivos alimentam os mortos cujos restos estão secando sob o sol, os mortos intervêm para garantir que a terra proporcione boas colheitas, especialmente chuvas abundantes em novembro.

Os primeiros cronistas, pouco depois da chegada dos espanhóis, relataram que os vivos retiravam os mortos de seus túmulos (os corpos eram então embalsamados), vestiam-nos com suas roupas mais belas, ofereciam-lhes um banquete e dançavam com eles nos campos, antes de devolvê-los aos seus túmulos com oferendas de comida.

Entretanto, devido aos dogmas e conceitos católicos já estabelecidos, a igreja condenou tais práticas, levando à gradual desaparição dessa tradição ao longo do tempo. Ainda assim, existem registros em certas áreas rurais de que o ritual não foi completamente perdido, mas sim fundido com a tradição cristã.

No dia 1º de novembro, ao meio-dia, as famílias dos falecidos montam uma mesa sobre a qual colocam uma toalha (branca se o falecido for uma criança, preta ou escura se for um adulto), juntamente com elementos simbólicos, como objetos ou comida. Uma foto do falecido e velas acesas também são dispostas sobre a mesa.

A mesa é preenchida com frutas secas, bolachas, doces em forma de animais, escadas de pão (derivadas da tradição católica, simbolizando a ascensão ou descida ao céu), coca e chicha (uma bebida feita de milho), instrumentos musicais e "tanta wawas" ou "meninos de pão". Este último elemento remete ao antigo ritual da Copachoca, praticado na época incaica, que envolvia o sacrifício de crianças para as divindades do mundo sobrenatural.

Os familiares se reúnem ao redor da mesa e recebem visitantes durante as noites, participando do ritual de lembrança do falecido, com orações e compartilhamento de comida e bebida.

Além disso, é tradição que grupos de crianças visitem as casas para rezar e cantar (chamados abados ou Cori Coritos) para as almas dos mortos, recebendo uma parte da comida da mesa em troca. Essas canções são frequentemente humorísticas, contando pequenas histórias em forma de rima.

No dia seguinte, essas canções são repetidas enquanto as famílias montam a mesa (conhecida como mastak'ou) sobre o túmulo do falecido. A elaboração do mastak'ou varia de acordo com a importância do falecido e a riqueza de sua família, podendo ser impressionante em alguns casos.

Ao meio-dia, inicia-se o ritual de despedida das almas, que devem retornar ao mundo subterrâneo. Isso é acompanhado por uma generosa refeição, pois acredita-se que os falecidos precisam de muita energia para a viagem de volta. Durante algumas horas, o cemitério se transforma em um imenso banquete sobre a grama, encerrando assim a festividade de Todos os Santos.

No Dia de Finados, os bolivianos homenageiam seus entes queridos com um banquete e guloseimas que o falecido apreciava


No Cemitério Vila Formosa, o maior da América Latina, é possível observar de perto como a cultura boliviana presta homenagens aos seus entes queridos no Dia de Finados. Enquanto muitos brasileiros encaram este dia como uma ocasião triste e de reflexão, os bolivianos têm uma abordagem distinta, caracterizada por um banquete em memória dos falecidos.


Nesta data especial, uma mesa é cuidadosamente montada sob o túmulo, onde são dispostas frutas, pratos tradicionais e as bebidas favoritas do falecido. Esta tradição em particular perdura nos primeiros quatro anos após a morte do ente ou amigo, representando um gesto de carinho e respeito para com aqueles que partiram.

Após esse período inicial, a continuidade desse ritual fica a critério da família, que pode optar por manter a tradição ou não, dependendo das circunstâncias individuais e das preferências familiares. Essa prática singular demonstra a importância do cultivo da memória e do legado dos entes queridos, enfatizando a conexão contínua entre os vivos e os que já se foram.

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