Encontro do Povo Xavante em Mato Grosso: Debates Cruciais sobre a Proteção do Rio das Mortes
Na aldeia Namunkurá, em Mato Grosso, o Povo Xavante reuniu-se no Fórum Rio das Mortes para discutir estratégias cruciais de preservação para o rio que atravessa seu território. O evento, que ocorreu entre 28 de agosto e 1º de setembro de 2023, envolveu participantes de várias Terras Indígenas e contou com apoio de organizações e entidades, incluindo a FUNAI, The Nature Conservancy Brasil e o CMEBIN.
Publicado em 19/09/23 às 11:27h
Por: Mara Barreto Sinhosewawe Xavante
O Povo Xavante, uma etnia indígena nativa do Brasil, com uma população de 23 mil pessoas, recentemente se reuniu em um evento de grande importância, o Fórum Rio das Mortes, que teve como objetivo principal discutir e debater estratégias para a proteção do Rio das Mortes, localizado no estado de Mato Grosso. Este encontro significativo reuniu vários membros e lideranças das comunidades Aúwe Uptabi (Povo Verdadeiro) e ocorreu na aldeia Namunkurá, que está situada na Terra Indígena São Marcos, entre os dias 28 de agosto e 1º de setembro de 2023.
O Rio das Mortes é uma característica geográfica fundamental na região, nascendo na majestosa Chapada dos Guimarães e fluindo até encontrar as águas do Rio Araguaia, nas proximidades da Ilha do Bananal. No seu percurso, esse rio corta todo o território tradicional Xavante e atravessa quatro das nove Terras Indígenas (TIs) demarcadas para este povo: TI Sangradouro/Volta Grande, TI São Marcos, TI Areões e TI Pimentel Barbosa. A importância desse rio para o povo Xavante transcende sua relevância ecológica, abrangendo também aspectos culturais e cosmológicos, considerado sagrado para os Auwé Uptabi.
Uma das grandes lideranças referência dos Povos Xavante, cacique Paulo Cipassé Xavante, afirma:
“Esse empreendimento compromete essa e futuras gerações que ainda cultivam o do modo de vida tradicional Xavante e vivem da caça e pesca, principalmente levando-se em conta a atual situação de saúde do nosso povo, extremamente afetados e acometidos pela diabetes mellitus e desnutrição infantil, a redução de peixes que ocorreria em nosso rio afetaria muito as nossas comunidades à médio e longo prazo, além de comprometer a vida aquática dos nossos peixes e botos . Por esse motivo sou contra esse empreendimento e nos sentimos desrespeitados, pois a maioria dos nossos povos não aceitam essa PHC em nosso Rio.
O cacique Cipassé complementa dizendo que o empreendimento os impedirá de futuros investimentos que gerariam muito mais lucros para o seu povo, sem afetar a sua natureza e percurso natural. “O Rio das Mortes é sagrado, muitos dos nossos ancestrais perderam a vida à beira desse rio, lutando pela terra e sentimos desrespeitados quando a Constituição de 1988 nos garante o direito de consulta prévia de qualquer empreendimentos em nossas terras e na prática isso não acontece. Se devemos sermos consultados, é porquê essa decisão deveria ser nossa e não dos brancos e órgãos públicos.”
O Fórum não foi deliberativo, tinha foco em formação e o debate dos participantes sobre a gestão das águas. Porém, a partir daí foi iniciado um protocolo independente de consulta das mulheres xavante e será elaborado um relatório final com todos os debates e demandas apontados pelos participantes, com um esforço conjunto para promover uma discussão abrangente e inclusiva sobre a proteção do Rio das Mortes.
Para garantir a representatividade das diferentes comunidades Xavante que têm uma relação próxima com o rio, foram convidados 10 indígenas de cada uma das quatro TIs pelas quais o rio passa. Esse convite incluiu, de forma equitativa, a participação de mulheres e homens. Além dos representantes dessas TIs, mais de 120 participantes estiveram presentes, incluindo membros das TIs Parabubure e Marechal Rondon.
A programação do evento foi rica e diversificada, abrangendo palestras informativas, grupos de trabalho interativos, uma caminhada simbólica até as margens do Rio das Mortes e apresentações culturais significativas. O evento também contou com a participação de várias partes interessadas, como representantes do Ministério Público Federal (MPF), associações indígenas, instituições parceiras, universidades e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA).
Questionada sobre o que acha do empreendimento em territórios indígenas Xavante, a servidora pública da Funai, Maíra Taquiguthi Ribeiro, indigenista especializada e atualmente sou chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial da CR Xavante da Funai, em Barra do Garças, MT e uma das palestrantes do Fórum, afirma:
“Como servidora pública, junto com a equipe da CR Xavante tem a responsabilidade de acompanhar este e outros empreendimentos que impactam as Terras Indígenas Xavante de maneira técnica para que a legislação seja respeitada, garantindo o direito à consulta livre, prévia e informada às comunidades atingidas e a apresentação de um plano de mitigação ou compensação dos impactos, caso o empreendimento seja aprovado".
O Fórum Rio das Mortes representou uma oportunidade valiosa para o Povo Xavante e suas parceiras externas colaborarem na preservação desse ecossistema vital, ao mesmo tempo em que reafirmavam a importância cultural e espiritual do rio em suas vidas. Por meio do diálogo e da colaboração, todos os envolvidos esperam promover práticas sustentáveis que garantam um futuro seguro e próspero para o Rio das Mortes e suas comunidades.
O professor mestrando e pesquisador Xavante Laerte Rupré Tsimbarana'õ, morador da TI. São Marcos, Aldeia São José, diz:
“Não tenho acordo com o empreendimento no Rio das Mortes porque isso já ocorreu na região de Campinapolis no Rio Culuene, Território Xavante Parabubure e só trouxe prejuízos para o nosso povo e aquela comunidade, diminuindo a volume da água e prejudicando a pesca e modo de vida tradicional Xavante. Além dos empreendedores não cumprirem corretamente o que foi acordado em contrato por ambas as partes de mitigação e compensação financeira aos prejuízos causados a essa comunidade. E afirma “Devemos pensar não somente no hoje, mas principalmente na garantia e sobrevivência dos nossos povos e territórios para as futuras gerações”.
Ficou decidido pela Funai a elaboração de um projeto final, juntando todas as demandas, denúncias e reivindicações para encaminhar para os órgãos competentes, como o Ministério Público Federal (MPF), o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xavante e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), e para divulgar entre os Xavante e demais interessados o que foi discutido, para dar prosseguimento. Na CR Xavante, temos dado atenção para o tema da proteção das águas, apoiando a participação dos Xavante no Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) do Alto Araguaia e acompanhando a formação de um CBH para o Rio das Mortes. Além disso, estão atuando diretamente em projetos pilotos de recuperação ambiental de nascentes e apoiando o enriquecimento dos pomares e dos cerrados próximos às aldeias com mudas de espécies nativas.
O Rio das Mortes desempenha um papel crucial na sustentação de um vasto ecossistema e é renomado como o segundo rio mais puro do mundo em termos de qualidade de água. Cerca de 40% de sua extensão está preservada em áreas ecológicas, com a entrada permitida somente mediante autorização das autoridades competentes, como a FUNAI e o IBAMA. Possuindo uma declividade suave, leito de areia e flutuação significativa no nível da água, com períodos de enchente entre dezembro e maio e estiagem máxima em setembro ou outubro, o Rio das Mortes não apenas banha o estado de Mato Grosso, mas também é um atrativo de destaque para o ecoturismo na região.
O Fórum Rio das Mortes, aconteceu de 28/08/23 à 01/09/23 na Aldeia Namunkurá, TI São Marcos. Realização: FUNAI Apoio: The Nature Conservancy Brasil Centro Municipal de Educação Básica Indígena Namunkurá (CMEBIN)
Imagens:
Mara Barreto Sinhosewawe Xavante
Laerte Rupré Tsimbarana'õ
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